CASA SRI AUROBINDO - FUNDAMENTOS E
PREMISSAS
Tentar explicar a experiência e
proposta da Casa Sri Aurobindo é, sobretudo, falar de como a experiência
de um homem, um dançarino – Rolf Gelewski –, como movimento corporal
consciente se transformou para ele em porta de acesso a dimensões mais
altas e mais profundas de seu ser individual bem como às raízes da
experiência humana de viver e expressar-se por meio de um corpo físico;
de como ele transformou sua experiência em propostas capazes de
beneficiar não somente a dançarinos, mas a toda pessoa interessada e
disposta a experimentar o movimento não só como fator de bem estar
físico, mas de crescimento pessoal integral.
“A vida, em todos os seus graus, do
elementar até o mais elevado, busca felicidade e luz. E nossa dança, o
movimento concentrador, libertador e transformador do ser humano, ajuda
nesta busca. Através da dança, do movimento e deleite criativos, podemos
despertar, descobrir-nos, podemos caminhar, pode o ser humano fazer sua
viagem do não-ser ao ser verdadeiro, da escuridão à Luz, da morte à
imortalidade”.
ROLF GELEWSKI
O QUE É E O QUE PROPÕE A CASA:
A CASA SRI AUROBINDO – Núcleo para o
Livre Desenvolvimento da Consciência – é uma associação civil sem fins
lucrativos, fundada em 1971 por Rolf Gelewski.
Sem caráter político ou sectário,
propõe meios para o autoconhecimento e o autodesenvolvimento através da
expressão criativa, utilizando como meio principal elementos da Arte
(ritmo, movimento, música, poesia, linguagem falada, artes visuais).
REFERÊNCIAS CENTRAIS:
Sri Aurobindo – poeta, pensador,
mestre espiritual indiano (1872-1950),
Mira Alfassa (A Mãe) – artista francesa, continuadora do trabalho
de Sri Aurobindo (1878-1973),
Rolf Gelewski – dançarino, coreógrafo e professor alemão
naturalizado brasileiro (1930-1988).
PREMISSAS BÁSICAS:
EVOLUÇÃO – Sri Aurobindo
identifica a evolução do atributo do ser que é a CONSCIÊNCIA como sendo
o movimento e motivo central da manifestação universal: Matéria, Vida,
Mente são estágios já realizados desta evolução; o próximo estágio, em
vias de manifestação, é o que ele chama a Supramente.
Em sua obra principal, SAVITRI, um poema épico de grandes dimensões, Sri
Aurobindo expressa a epopeia desta evolução como um diálogo/embate entre
o Amor e a Morte, com a vitória final do Amor possibilitando à Terra a
plena manifestação de suas potencialidades divinas.
Na prática: o ser humano é
transitório; mas é, ao mesmo tempo, corresponsável por seu destino
individual e coletivo e, como expressão mais alta da evolução até
então realizada, também pela Terra – “O homem é o pastor das
criaturas.” DOM TIMÓTEO AMOROSO ANASTÁCIO
MATÉRIA/ESPÍRITO – Para Sri
Aurobindo, Espírito e Matéria não se negam ou contradizem, ou o fazem só em
aparência; para ele, a Matéria é forma do Espírito, e está destinada a
manifestá-lo plenamente, sem diminuição ou distorção.
Na prática: se a Matéria é
Espírito, todas as coisas são formas do Espírito; devem, por isto, ser
tratadas com todo zelo e respeito, sem descuido, desleixo ou
desperdício. A matéria do corpo físico individual é a porção da
Matéria universal que nos é dada para que a “colonizemos” e infundamos
nela o máximo de consciência possível – ou, antes, ajudemos a
despertar a consciência que já está latente nela.
SÍNTESE/INTEGRAÇÃO – Os modos
de consciência do Ocidente (material, voltado para fora, para a
conquista material, tecnológica) e do Oriente (contemplativo, voltado
para dentro, para a realização espiritual), não são irreconciliáveis –
podem e devem ser integrados, para uma plena manifestação dos potenciais
da consciência humana.
Na prática: realização material e
espiritual não se contradizem nem se excluem mas se completam para uma
integração feliz do indivíduo plenamente realizado com um mundo que se
torna também expressão da plenitude do Espírito.
UNIDADE NA DIVERSIDADE – Na
Natureza, a diversidade é um princípio básico de criação: não existem
sequer duas folhas de relva que sejam idênticas. Sabemos que a
reprodução sexuada é o mecanismo que ela utiliza para que, a cada vez,
não nasçam clones, mas indivíduos diferentes, únicos. Todavia, seu jogo
é também buscar sempre reencontrar a unidade na e através desta
diversidade. Este princípio é válido também na esfera espiritual:
Unidade e Diversidade são polos que se complementam.
Na prática: nas opiniões,
costumes, crenças, valores a diversidade, as diferenças devem não
somente ser toleradas, mas compreendidas, respeitadas, afirmadas e
mesmo incentivadas como necessárias à riqueza da manifestação e da
experiência humana.
A VIDA TODA É YOGA – Não só os
momentos dedicados a práticas como oração ou meditação favorecem o
desenvolvimento espiritual: a vida inteira, com seus múltiplos contatos,
choques, experiências, relacionamentos, desafios, constitui um vasto
campo de possibilidades para o autoconhecimento e o crescimento pessoal
e espiritual, o cadinho onde os crescimentos interiores são testados e
consolidados.
Na prática: não há mais espaço
para distinções como “mundano” e “espiritual”: tudo é sagrado e deve
ser vivido de forma consagrada.
TODAS AS POSSIBILIDADES DO MUNDO NO
HOMEM ESTÃO ESPERANDO, COMO A ÁRVORE ESPERA EM SUA SEMENTE – Na
humanidade como um todo, assim como em cada indivíduo, estão latentes
potencialidades infinitas de ser, esperando por nossa escolha e chamado.
Tal como a árvore, que cresce simultaneamente em direção ao céu e para
dentro da terra, podemos vivenciar o crescimento simultâneo da dimensão
sutil, espiritual, e de uma ancoragem sempre mais efetiva no corpo, na
vida e no mundo. Pode-se entender, também, que à medida que se apropria
de sua luz, a pessoa se torna mais capaz de defrontar suas próprias
sombras.
O SUPRACONSCIENTE, NÃO O
SUBCONSCIENTE – “O supraconsciente, não o subconsciente, é a
verdadeira fundação das coisas. O significado do lótus não será
descoberto pela análise dos segredos da lama da qual ele cresce; seu
segredo deve ser encontrado no arquétipo celeste do lótus que floresce
para sempre na Luz acima”. SRI AUROBINDO
Na prática: há uma centelha
divina, uma realidade luminosa no âmago de todo e cada ser, e cabe a
cada um buscar, descobrir e manifestar isto, apesar e contra todas as
dificuldades e limitações que possa haver em sua natureza.
“O reino dos Céus está dentro de
vós; é um tesouro oculto que deveis descobrir, é uma luz debaixo do
velador que deveis pôr no candelabro, é uma pérola no fundo do mar que
deveis trazer à tona”. JESUS DE NAZARÉ, CITADO POR HUBERTO ROHDEN
EDUCAÇÃO INTEGRAL
O enfoque do trabalho é sobretudo
educacional, formativo, não estético ou terapêutico, embora jamais
dispensando o elemento lúdico que é inerente à expressão artística.
Algumas premissas orientam este
enfoque. Enquanto Sri Aurobindo propõe as linhas mestras de um Yoga
Integral, que mobiliza todas as potencialidades da consciência na busca
intensificada por descobrir e manifestar esta natureza luminosa, divina,
Mira Alfassa, a Mãe, torna esta visão acessível a todos, formulando os
princípios de uma Educação Integral; partindo da constituição básica do
microcosmo que é a pessoa humana em planos de consciência
(físico-corporal, vital, mental e psíquico-espiritual), ela fornece, em
detalhe, chaves simples e efetivas para a compreensão e educação destes
aspectos da natureza humana. Uma destas chaves é a percepção de que para
toda sombra encontrada há uma luz correspondente a ser descoberta; uma
grande fraqueza descoberta é o sinal infalível de que há uma grande
força a ser encontrada e manifestada.
A CARRUAGEM – Partindo da
premissa dos planos de ser e consciência, e adaptando uma parábola de
Sri Ramakrishna (o mestre espiritual indiano do século XIX) sobre a
jornada que é cada ser e cada vida, formulamos vivências baseadas na
seguinte correspondência:
A CARRUAGEM – O CORPO
Tem de ser sólido, bem estruturado e respeitado, mantido com todo o
zelo; mas depende, para mover-se, da força vital dos
CAVALOS – O SER VITAL
A energia, a dinâmica da vida, emoções, sentimentos; poderosa e bela,
como os cavalos, depende da condução esclarecida, racional, do
COCHEIRO – O SER MENTAL
Instrumental a ser enriquecido e ampliado, para cuidar bem da
“carruagem” e dos “cavalos”, e traçar rotas para a viagem rápida, segura
e proveitosa do
PASSAGEIRO – O SER
PSÍQUICO/ESPIRITUAL
Inicialmente e por longo tempo um incógnito, viajando atrás de
véus/cortinas, recolhido e aparentemente inativo, a presença do
passageiro é a razão de ser deste conjunto e da viagem. Dele irradia, de
forma silenciosa, o impulso, o estímulo, o comando, a sustentação nas
adversidades que tornam possível esta árdua jornada por entre dias e
noites, planícies e vales e montes e jardins e desertos que é a vida.
OS TRÊS PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO,
segundo Sri Aurobindo:
O PRIMEIRO: Nada pode ser ensinado.
“Nada pode ser ensinado à inteligência
que já não seja conhecimento oculto em potência na alma que desabrocha”. SRI AUROBINDO
O SEGUNDO: A mente tem de ser
consultada em seu próprio crescimento.
“Cada um tem em si algo divino, algo
bem seu, uma chance de perfeição e força em uma esfera por menor que
seja, que Deus oferece a ele para pegar ou recusar. A tarefa é encontrar
isto e desenvolvê-lo e usá-lo. O objetivo principal da educação deveria
ser ajudar a alma em crescimento a extrair de si o que é o melhor e
torná-lo perfeito para um uso nobre”. SRI AUROBINDO
O TERCEIRO – Trabalhar a partir do que
está perto para o que está distante,
a partir do que é para o que deve
ser.
“O passado é nossa fundação, o
presente nosso material, e o futuro nosso objetivo e cume”. SRI
AUROBINDO
POR QUE A ARTE COMO INSTRUMENTO DE
EDUCAÇÃO?
“O conjunto de música, artes plásticas
e poesia é uma perfeita educação para a alma; elas tornam e mantêm seus
movimentos purificados, autocontrolados, fundos e harmoniosos. [As
artes] são, quando adequadamente usadas, grandes forças educadoras e
civilizadoras”.
SRI AUROBINDO
Para Sri Aurobindo, a BELEZA é um
aspecto do Ser Divino, tão importante quanto Poder, Conhecimento, Amor.
A arte impõe ordem e harmonia ao caos de materiais e possibilidades;
expressa a necessidade humana de beleza, mesmo que, no extremo, pela
aparente negação da mesma.
A arte é instrumento privilegiado para o desenvolvimento, refinamento,
integração dos vários aspectos e planos do ser.
Sri Aurobindo identifica três níveis em que esta manifestação da
consciência humana se expressa:
1° nível: função estética e de entrenimento;
2° nível: função educativa/ formadora;
3° nível: espiritual.
Sem excluir o primeiro nível, escolhemos formas de arte que manifestem
predominantemente o segundo, abram janelas e portas para o terceiro ou,
eventual e mais raramente, já o expressem.
POR QUE A DANÇA?
Todos experimentam alegria ao dançar – e Rolf formulou uma explicação
profunda e original para isto:
“Contam os Vedas que nosso universo foi criado pela dança de um deus, o
deus Shiva. Então iniciou-se tudo pela entrega de um ser divino ao
ritmo, ao poder e à alegria de dançar: tudo originado por uma vibração
deliciada, tudo vindo da beatitude e grandeza de um supremo dar-se, da
total e onipotente rendição ao movimento e deleite criativos.
E não reside um secreto deleite, não existe algo como um fundo reflexo
de alegria em tudo que percebemos como movimento? Vejam as ondas quando
se jogam e erguem e quebram, velas e folhas ao vento, ou o rolar de uma
pedra lançada numa ladeira, o forte advento da chuva, lágrimas que caem
e fontes que se projetam no alto – e a vida multiplica, intensifica, faz
jorrar movimento e deleite: cavalos correndo, cobras lutando, voos de
gaivotas e assaltos de tigres, lento abrir-se de olhos, nascer de um
sorriso, flancos respirando e as sutis explosões no desabrochar de um
lírio, e nossas mãos procurando, oferecendo, acarinhando.
‘A realidade do universo é essencialmente Alegria. O universo foi criado
na Alegria e para a Alegria’ (MIRA ALFASSA). Na origem de nosso mundo –
nós esquecemos isto – está uma divina alegria, e a cada coisa e ser é
inerente a vibração desta alegria. E como deleite e movimento provêm,
intimamente unidos, da mesma fonte, podemos dizer que dança e alegria
são uma só coisa, que a dança nasceu da alegria, e que é a alegria,
oculta no mundo, nas coisas e no homem, que nos impele para dançar.
Não seria então a dança, essa mais fiel e mais direta réplica do divino
movimento original, o meio mais próprio para nos aproximar e pôr em
contato com a Força que nos criou? Não seria a dança o instrumento
verdadeiro da evocação dos poderes cósmicos e divinos e da crescente
interligação com eles? Não significaria ela o elementar poder- de-união,
poder-de-criação e a presença da mais pura felicidade? E realmente, se a
nossa dança, se nossa vida estivesse transbordando da mesma vibração
deliciada que houve no princípio da criação, se ela fosse repleta da
beatitude e grandeza de um supremo dar-se, nós estaríamos numa crescente
harmonia e união com tudo”.
ROLF GELEWSKI
Numa aula típica de uma das oficinas e cursos da Casa, em que a
linguagem utilizada seja predominantemente o movimento, os seguintes
elementos podem ser incluídos e trabalhados: exercícios para o
aquecimento corporal, bem como para o desenvolvimento de uma consciência
básica do próprio corpo, em suas partes e em sua totalidade; estas
sequências, muitas delas desenvolvidas pelo próprio Rolf, possibilitam
também uma inicial, efetiva unificação corpo-energia vital-mente. O
sentido de PRESENÇA NO CORPO é aí fortemente trabalhado.
A este momento pode seguir-se uma vivência com RITMO, com ou sem música,
que visa tanto a mobilização da energia e o exercício da coordenação
corpo-tempo-espaço, quanto uma HARMONIZAÇÃO inicial do grupo (com
frequência estes exercícios são feitos em roda).
Segue-se um momento de AQUIETAMENTO/RELAXAMENTO, que pode se desdobrar
em experiências com música, em que são exercitadas diferentes formas de
OUVIR e em que se busca uma efetiva sensibilização do corpo físico à
vibração e presença da música, já que esta é, na maioria das propostas,
o elemento motivador e condutor da vivência.
Na sequência, exercícios que visam desenvolver e enriquecer o
VOCABULÁRIO DO MOVIMENTO, a inserção consciente e criativa da pessoa no
tempo/espaço: princípios polares como imóvel/em movimento,
contraído/dilatado, alto/baixo, muito/pouco, forte/fraco,
indivíduo/grupo. Nesta fase, trabalha-se com frequência o sentido de
PERCEPÇÃO/DISTINÇÃO, sendo o participante motivado a identificar
aspectos da estrutura da música, como subdivisão em partes,
contrastes/alternâncias, bem como aprofundar a percepção e compreensão
da natureza da música, das motivações de seu criador, do contexto
artístico-histórico-cultural em que ela foi criada. Para isto,
recorre-se também a outros elementos e linguagens, como poesia e artes
plásticas. Busca-se, aqui, trabalhar a partir da mais vasta e ampla gama
possível de expressões artísticas e musicais – do popular ao
experimental, do étnico-tribal ao erudito, do ocidente ao oriente, do
ancestral ao contemporâneo-futurista – de modo a enriquecer e ampliar,
por sua vez, a vivência do participante e sua compreensão da experiência
humana que se expressa através da criação artística.
Segue a fase das vivências propriamente ditas. Todos os aspectos da vida
e da busca interior-espiritual (ações/vivências como brincar, cantar,
lutar, sorrir, orar, dar, receber, aspirar, confiar, celebrar etc.
constituem pequena amostra da imensa gama de experiências possíveis)
podem ser experimentados de forma intensificada através da dança, da
expressão criativa em geral.
Qualquer que seja a linguagem artística utilizada, buscamos trabalhar,
sobretudo, a partir de uma abordagem espontânea – a técnica reduzida ao
mínimo necessário – de modo a possibilitar que aflore mais facilmente o
artista, o ser criador que está na alma de cada um.
Não há pré-requisitos, a não ser a disponibilidade para experimentar e
experimentar-se.
A mais perfeita expressão e síntese da busca e proposta iniciada por
Rolf – integrar plenamente o corpo num trabalho de autoconhecimento e
auto-aperfeiçoamento da totalidade da pessoa humana, de assumi-lo
plenamente como veículo – chance – instrumento - tarefa para a
descoberta das dimensões interiores-espirituais – se encontra em seu
poema “Este Corpo”:
ESTE CORPO
Seja amor o fôlego, amor o sangue
Amor o olho e a cabeça e o coração deste corpo.
Seja alegria sua vida, alegria seu cérebro
Alegria a carne e o pé
Deste corpo.
Seu tronco seja confiança, fé seus membros,
Doçura cada movimento.
Seja alma a pele.
Dá Tua Luz
Dentro deste corpo
Dá
Rogo
Tua Força
Rogo
Dá
Sê
Tu mesmo
Este corpo.
ROLF GELEWSKI
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